DEPOIMENTO DE AMARÍLIS TUPIASSÚ SOBRE A COLEÇÃO
“HOTEL FAROL: HISTÓRIA E MEMÓRIAS”

Trata-se de obra desdobrada em três volumes, o que subentende logo apurado trabalho de pesquisa, a resultar numa das mais belas publicações dadas à luz, não apenas para fascínio no Norte do Brasil, e sim no país todo. Sem exagero. Daí merecidos elogios à Editora Paka Tatu pelo correto trabalho editorial, apuro na redefinição nítida da vasta galeria de fotos, uma lídima fotobiografia também constante da obra, cadeias de imagens a fluir sempre no acertado trato redacional. Indiscutível, a reunião de méritos, a beleza conceptiva, o rigor da edição sem falha, o texto distribuído com precisão ao longo dos três volumes. A distribuição favorece a escrita tocada com clareza, com translucidez, oferta a todos os níveis de entendimento. Reitero esse ponto alto da edição: a escrita que simplesmente flui, com naturalidade, para fisgar, embevecer o leitor e iluminá-lo, qual chama de lento queimar a que os sentidos, os tons todos possam aflorar a vivo encantamento, a cada virar de página.

A meu ver, o título Hotel Farol: história e memórias não abrange o vário, o múltiplo conteúdo, a amplidão do que se enfoca, como se camadas de significações se entremeassem no enrodilhado temático em conjunção nos volumes. A linha central assenta-se, com clareza, no denodo, no ânimo sem freio, na fúria infrene, digamos assim, na disposição ímpar do casal fundador Adelaide e Zacarias, ao lançar-se à colheita talvez incerta de vida encravada ao sopro da beleza longínqua, que o casal transformará em sua terra de promissão, logo terra de realização existencial.  Dispôs-se o casal à ida ao longe, para o que desse e viesse a enfrentar além do imaginável. Assim aportaram nos plainos distantes, cuja senha e valor eram infatigável amor fecundado ao esplendor de uma das pontas de mais flagrante beleza do litoral do Pará, à ilha do Mosqueiro, seus fusos e efusões de inexcedível maravilha. A partir desse feixe de impulsão ao encontro do desejo, investidos de extrema força de vontade, vencendo as dificuldades do fiat-lux do Hotel Farol, deriva o histórico da implantação dificultosa, as nominações, tudo a ser arrancado no corpo a corpo, quase nada, os mapas dos ganhos passo a passo, os recortes dos ganhos e das angústias, como à morte, com copioso pranto, o inconformismo de ver finar-se o primeiro filho. A par desse fato, na sequência, o nascimento da filharada, a superação das faltas, a trabalheira de transformar muito pouco em quase tudo, o belo de nunca esmorecer e levar à frente a existência, sem deixar afrouxar as cordas do coração e a amarração da carga difícil, a família a crescer, crescer e os dois amantes a engendrar soluções, sustentos, saídas. Esse, o assunto central. O riso, sim, o choro, também, a espada que não deixam perder o fio, o tempo a rolar, a urgência de regar e suprir as necessidades da herdade e dos herdeiros, o benfazejo de vê-los emplumar sob os princípios de dignidade e liberdade.

Tudo isso se puxa e repuxa nas folhas dos volumes. Com simpleza, a escrita ao ritmo solto e correto do dia a dia.

E, como se adiantou, há linhas extras, no denso liberto da narração. As páginas, ponteadas de emoção. A mais imorredoura posta à formação e educação dos doze filhos. Ascendem-se os enfoques vincados de atropelos logo sanados da distância entre Mosqueiro e Belém. As tramas dessa formação enternecem o leitor. Muitos relatos colhidos de D. Adelaide, jovem e já sem Seu Zacarias, aliás, seu Cid, El Campeador, ela a Dama Virtuosa de Irrestrita Coragem a tecer ação e discurso de intrepidez. Depois, velhinha, revive e encanta com a narração de suas memórias. Chega uma hora, precisa porque precisa afastar-se de sua prole. E advêm capítulos subentendidos, voltados à ciosa construção do futuro dos filhos, os atuais guardiães do Hotel Farol, corretos mantenedores, a cada um seu dom, seu préstimo, sua parte no afazer de pôr a crescer e seguir com o Hotel. Nisso, a cada filho, a formação agora da descendência, todos crescidos e a crescer irmanados e abençoados por sensos tão dignos de humanidade, o contraforte das lições originárias do casal fundador.

Assim, pelas laçadas do legítimo bordado de vidas exemplares, que essa é, em síntese, o lance enfático da obra Hotel Farol: história e memórias, abrem-se pespontos a mais, cugicados, diriam os de mais idade, a delicadeza de mais narrativas a viçar pelos entornos da linha maior, a saga heroica de Adelaide e Zacarias. E alargam-se mais margens, complementos narracionais. O sistema de ensino do Colégio Gentil, por exemplo, forma uma puxada paralela de história. O ambiente severo, cujo guia enfatiza desmedido respeito ao próximo, ao lazer, como não, mas também ao cumprimento de obrigações, sobretudo, dedicação sem meios termos ao estudo, a tarefa mais cara, a entrega sem limite ao saber, ao conhecimento acima de tudo. O ambiente longe do Mosqueiro, o ninho nativo, enfatizo a contingência de as filhas terem sido internas no Colégio Gentil, esse o reduto de formação delas, tão jovens instadas, por necessidade, ao afastamento do lar, as filhas às voltas com responsabilidades a cumprir e cumpridas, as filhas de Adelaide e Zacarias, mesmo as mais novinhas, com exceção da menor de todas, todas internas no colégio em Belém. Isso num tempo em que os deslocamentos de Mosqueiro até a capital do Pará impunham aflições e fadigas pesadas. Quanta saudade do colo, do aconchego materno, a ilha dos amores. Esse é um segmento de significativo valor histórico sobre uma formação escolar aliada a crescimento saudável e a sacrifício, o que as meninas e os meninos Mártires tiravam de letra. Sim, pois os meninos, os rapazes, por seu turno, seguiram símiles caminhos à retidão de caráter, os quais foram cumpridos com evidente idoneidade.

No amplo dos três volumes, as fotos são mais relatos de maravilha. Como se conseguiu estocar, aqui e ali, volumes antigos e recentes de fotos de tão ilustrativa e real beleza?  A sucessão, a surpresa das fotos compõem segmento à parte da beleza da obra. As fotos falam, contam memórias em texto tecido de imagens, luzes, ondeados, matizes, flashes e clarões de outras falas à água doce de nosso rio-mar, habitação dos Mártires. O livro são redutos de irreprimível beleza. Valeram os sete anos de concepção, reunião de dados e fotos, de depoimentos e cavação de memórias e recordações. O livro vale muito por tudo que se expande em História e beleza pelas franjas da obra. Às autoras, bastos e devidos elogios, bastos aplausos aos editores e a todos que contribuíram com as pautas desse admirável feito.

Amarílis Tupiassú
30.11.21